Autores:
Ana Bandeira Santos, Interna de Formação Específica em Pediatria 1
Sidonie Monteiro, Interna de Formação Específica em Ginecologia e Obstetrícia 2
Paula Fonseca, Assistente Graduada em Pediatria diferenciada em Medicina do Adolescente 1
1 Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar do Médio Ave, Vila Nova de Famalicão
2 Serviço de Ginecologia eObstetrícia, Centro Hospitalar do Médio Ave, Vila Nova de Famalicão
A puberdade é o período que se caracteriza pelo aparecimento das características sexuais secundárias e termina com a maturação sexual completa. Nas raparigas a telarca (aparecimento de botão mamário) marca a entrada na puberdade e surge normalmente entre os 8 e 13 anos. Segue-se uma fase de crescimento e redistribuição da gordura corporal, marcada pelo alargamento da anca e aumento do índice da massa corporal (IMC), passível de impacto na autoestima e feminina. A menarca é a primeira menstruação e ocorre mais tardiamente, geralmente pelo estadio IV Tanner (1).
A menstruação também designada por cataménio é a perda periódica de sangue por via vaginal e marca o início do ciclo menstrual, contado desde o primeiro dia da menstruação até ao primeiro dia da menstruação seguinte.
O ciclo menstrual é regulado pelo eixo hipotálamo-hipófise-ovário e está dividido em duas fases: folicular (menstrual e proliferativa) e lútea (secretora), entre as quais ocorre a ovulação. Nos primeiros 2 anos após a menarca, por imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, existe disfunção ovulatória fisiológica e consequentemente: anovulação e irregularidades menstruais. Pelo que a definição de normalidade é dificultada sendo fundamental conhecer-se bem os limites da normalidade (2). Importante destacar que após a menarca, embora os ciclos menstruais sejam inicialmente irregulares e predominantemente anovulatórios, qualquer atividade sexual sem método contraceptivo pode resultar em gravidez.
A duração normal de um ciclo menstrual em mulheres adultas é de 24 a 38 dias e os cataménios de 2 a 7 dias (Quadro 1). No entanto, nos primeiros cinco a sete anos após a menarca, os ciclos menstruais tendem a apresentar maior variabilidade em relação à mulher adulta, caracterizando-se por interlúnios entre 21 e 45 dias. As perdas hemáticas por cataménio podem igualmente variar entre 30 mL a 80 mL (máximo cerca de 8 pensos dia) (2,3,4).
Clinicamente o catamênio pode acompanhar-se por um espectro de sinais e sintomas incluindo queixas do âmbito psicoafetivo, como labilidade emocional, irritabilidade, ansiedade, tristeza, variações do apetite e queixas do âmbito físico, como mastodinia, tensão mamária, distensão abdominal, fadiga, cefaleia, dor pélvica, entre outros (5).
A história menstrual é um elemento essencial da consulta do adolescente e concentra questões como idade de menarca, padrão menstrual e sinais e sintomas que lhe estão associados. A caracterização do cataménio baseia-se na definição da frequência, regularidade, duração e volume do fluxo menstrual num período de pelo menos 6 meses e avaliação de perda intermenstrual (hemorragia uterina anormal) em adolescentes que não estejam sob terapêutica hormonal . O calendário menstrual é uma ferramenta de apoio de grande utilidade e a sua utilização deve ser incentivada. Podem ser propostas opções de calendários tradicionais ou em apps gratuitas. Questões incluindo atividade sexual e contracepção devem ser sempre abrangidas assegurando a confidencialidade, assim como discussão de aspetos sociais e culturais da menstruação, fisiologia do ciclo menstrual e fertilidade feminina, corrimento vaginal fisiológico, higiene menstrual (Quadros 2 e 3), distúrbios menstruais a outros que caso a caso se revelem pertinentes. A menstruação encontra-se frequentemente associada a desinformação e em certos casos pode ser necessária a desconstrução de certas crenças e estigmas (Quadro 4).
A abordagem ao corrimento vaginal fisiológico é importante para a distinção autônoma entre o que é considerado normal e o que pode ser um sinal de patologia. O corrimento vaginal fisiológico é composto por secreções endocervicais mucóides, células epiteliais descamadas, flora vaginal normal e transudato vaginal. Em idade reprodutiva, é considerado normal até 4 mL de corrimento em um período de 24 horas. Tem uma cor branca ou transparente, a sua consistência pode variar de fina a espessa e normalmente não tem odor perceptível. Em alguns casos, pode apresentar um tom amarelado e fazer-se acompanhar de queixas irritativas ligeiras, como prurido leve ou irritação. No entanto, nunca está associado a prurido intenso, ardor intenso, eritema local ou fragilidade cervical ou vaginal. A ausência desses sintomas e sinais ajuda a distinguir o corrimento vaginal fisiológico de condições patológicas, como vulvovaginite e cervicite. Em condições normais, a região genital precisa de respirar e manter-se seca, de modo a manter um equilíbrio saudável da flora vaginal, pelo que é desaconselhado o uso diário de pensos higiénicos.
Anamnese: Na adolescência a entrevista médica tem particularidades, devendo ser sempre assegurada a confidencialidade sobretudo nas questões de foro mais íntimo. A revisão de sistemas deve abranger acne, hirsutismo, variações de peso, variações de humor, trânsito gastrointestinal, dor abdominal cíclica, cefaleia, alterações de acuidade visual, galactorreia e corrimento vaginal anormal.
Relativamente aos antecedentes: Incluir informação sobre idade da telarca e desenvolvimento pubertário, antecedentes de doença crónica, hábitos de desporto intensivo e diário alimentar (perturbações comportamento alimentar). A história sexual é imprescindível, mesmo em situação de amenorreia primária. A história familiar deve inquirir idade de menarca materna, patologia endocrinológica (especialmente disfunção tiroideia, diabetes mellitus e síndrome do ovário poliquístico) e infertilidade.
Exame objetivo: Incluir antropometria (incluindo o índice de massa corporal) e estadio de Tanner. É importante a avaliação da pele, acuidade visual e olfato, palpação tiroideia e abdominal e visualização dos genitais externos, de modo a objetivar a patência do intróito ou eventuais alterações como clitoromegalia.
Amenorreia primária: Ausência de menstruação aos 15 anos ou 3 anos após a telarca. Amenorreia secundária: Ausência de hemorragia uterina durante > 3 meses após ciclos regulares ou após pelo menos um período de 6 meses com ciclos irregulares.
As principais causas de amenorreia incluem gravidez, anomalias anatómicas (septo transverso ou anomalias mullerianas) e distúrbios eixo hipotálamo-hipófise-ovário (disfunção hipotalâmica, disfunção hipofisária, disfunção ovárica) (Quadro 6). A anamnese e exame físico minuciosos são essenciais para o diagnóstico e a avaliação laboratorial e imagiológica pode ser necessária. Em todos os casos está preconizada a realização do teste imunológico da gravidez. O tratamento está dependente da etiologia (2).
Hemorragia de origem uterina irregular (oligomenorreia), prolongada e/ou com volume/fluxo menstrual excessivo (Quadro 5) (2,3,4).
A disfunção ovulatória é a causa mais frequente de HUA na puberdade. Nesta faixa etária, a causa mais frequente de disfunção ovulatória é fisiológica por imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário.
Na ausência de ovulação, não se forma o corpo lúteo e não há produção de progesterona, o endométrio é exposto aos estrogénios sem o efeito antagonista promovido pela progesterona. O endométrio sofre proliferação (fase proliferativa), sem adequado suporte, tornando-se frágil e instável, com consequente necrose focal e descamação parcial e não uniforme, pelo que o padrão menstrual deixa de ser cíclico e passa a ser inconsistente no volume e duração dando origem a HUA. Outras causas de HUA incluem gravidez, disfunção plaquetária e da coagulação, disfunção tiroideia, disfunção hipotalâmica, o hiperandrogenismo (SOP), a hiperprolactinemia, iatrogenia medicamentosa, a insuficiência ovárica prematura, iatrogenia (medicamentos, radioterapia ou quimioterapia), traumatismo sexual, corpo estranho infeção sexual (IST) entre outras (Quadro 7). A anamnese e exame físicos detalhados são fundamentais para o diagnóstico e a avaliação laboratorial e imagiológica pode ser necessária.
Anamnese: A adolescente deve ser questionada acerca da respetiva história menstrual e sexual e incentivada a fazer calendário menstrual bem como quantificação das perdas. Perda menstrual excessiva desde a menarca é sugestiva de distúrbios hemorrágicos (a mais frequente a doença Von Willebrand). Ciclos menstruais irregulares sugerem anovulação (frequente nos primeiros 2 anos pós menarca) mas também pode ser sugestivo de endocrinopatias (SOP, hipotiroidismo). Spotting pode sugerir IST ou ser efeito adverso de contracepção hormonal (ex: esquecimento de tomas de ACO, progestativos de longa duração).
Exame objetivo: No caso de perdas menstruais excessivas é importante averiguar a estabilidade hemodinâmica através da avaliação dos sinais vitais. Destaca-se a necessidade de avaliar a existência de sinais/sintomas de discrasias sanguíneas. Para além do exame físico completo, o exame ginecológico está indicado nas adolescentes sexualmente ativas de modo a excluir IST.
Em todos os casos está preconizada a realização do teste imunológico da gravidez e a colheita de hemograma. De destacar que a IST mais frequente nas adolescentes é causada pela Chlamydia trachomatis, muitas vezes assintomática, sendo o seu diagnóstico simples por PCR em amostra de urina ocasional.
O tratamento está dependente da etiologia e severidade (Quadro 8) (2).
2.2.1. Oligomenorreia: No 1º ano após a menarca caracteriza-se por <6 menstruações/ano (ciclos menstruais em média com >60 dias); Entre o 1-3º ano após a menarca caracteriza-se por <8 menstruações/ano (ciclos menstruais com >45 dias); A partir do 3º ano após a menarca caracteriza-se por <9 menstruações/ano.
O síndrome do ovário poliquístico (SOP) é a endocrinopatia mais comum da adolescência e representa uma causa importante de oligomenorreia. Caracteriza-se por disfunção ovulatória e hiperandrogenismo , manifestando-se com irregularidades menstruais, acne e hirsutismo, excesso de peso ou obesidade e insulino-resistência. O diagnóstico é baseado em critérios clínicos e/ou exames auxiliares de diagnóstico (laboratoriais, ecografia ginecológica) e o tratamento de primeira linha é o contraceptivo oral combinado (ACO) (7).
Dismenorreia primária: Dor pélvica associada ao cataménio relacionada com a regularização da ovulação, pelo que surge habitualmente após o segundo ano após a menarca. É causada pela secreção de prostaglandinas após a ovulação e consequente contração do útero, não estando habitualmente relacionada com patologia ginecológica ou anomalia estrutural. Pode associar-se a sintomas sistêmicos (cefaleias, náuseas, vómitos ou diarreia). A abordagem terapêutica depende da gravidade da dor e a terapêutica farmacológica passa pela medicação anti-inflamatória não esteróide, ou em casos refratários pelo ACO (Quadro 9). O tratamento deve ser iniciado precocemente no primeiro dia da menstruação e até a um total de 1-2 dias após a menstruação, já que a eficácia depende da precocidade do mesmo. A dismenorreia primária não tratada representa uma causa significativa de absentismo escolar.
Dismenorreia secundária: Dor pélvica associada ao cataménio em consequência de patologia ginecológica ou anomalia estrutural (IST, endometriose e dispositivos intrauterinos não hormonais) Sinais sugestivos incluem dismenorreia desde a menarca, refratariedade ao tratamento com ACO 3-6 meses, dor pélvica não relacionada com o ciclo menstrual, spotting e corrimento vaginal anómalo. Surge em idade mais tardia e é menos comum na adolescência. A abordagem diagnóstica e terapêutica depende da patologia subjacente (2).
O diagnóstico é baseado em ≥ 1 sinal ou sintoma psicoafetivo e/ou físico com início na fase lútea do ciclo menstrual, interferência na qualidade de vida da adolescente e remissão durante a própria menstruação ou num curto espaço de tempo após a mesma. Geralmente antecede cerca de 5 dias o cataménio e persiste em ≥ 3 ciclos menstruais consecutivos com intervalos livres de sintomas.
A abordagem terapêutica passa por medidas comportamentais, nomeadamente evicção de stress, atividade física regular, plano alimentar e higiene do sono adequados. Casos mais graves, a par das medidas comportamentais, podem beneficiar de medicação antidepressiva, ansiolítica, anti-inflamatória não esteróide ou ACO (5).
No quadro 10 apresenta-se material de apoio relevante à abordagem do tema supracitado.
1 - Marcandante Karen J, Kliegman Robert M.,Nelson Essentials of Pediatrics 8th edition, 2019
2 - Gray Susan H., Menstrual Disorders, Pediatrics in Review Volume 34 Issue 1,2013
3 - Munro MG, Critchley HOD, Fraser IS, FIGOMenstrual Disorders Committee: The two FIGO systems for normal and abnormaluterine bleeding symptoms and classification of causes of abnormal uterine bleeding in the reproductive years: 2018 revisions, Int J Gynaecol Obstet. 2019
4 - ACOG Committee Opinion No. 651: Menstruation in Girls and Adolescents: Using the Menstrual Cycle as a Vital Sign, 2015
5 - Yonkers KA, O'Brien PM, Eriksson E, Premenstrual syndrome, Lancet, 2008
6 - Hernandez A, Dietrich JE, Abnormal Uterine Bleeding in the Adolescent, Obstet Gynecol, 2020
6 - Rosenfield RL, Perspectives on the International Recommendations for the Diagnosis and Treatment of Polycystic Ovary Syndrome in Adolescence, Pediatr Adolesc Gynecol, 2020